Epidemiologista e ex-diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Alexandre Kalache, acredita que reavaliar a forma de viver é necessário para evitar novas pandemias no futuro.
O especialista designa como “fascínio” o que a população tem em relação à proteína animal e aponta que esse fascínio pode aumentar significativamente os riscos para que o mundo enfrente novas pandemias como a de COVID-19 no futuro. Um futuro, importante dizer, cada vez mais breve, devido ao adensamento da população mundial.
Aponta, ainda, que o excesso de rebanhos, sobretudo de aves, que são depositórios de diversos vírus que são descobertos nas últimas décadas, faz com que haja a reincidência dos chamados “saltos dos vírus” e transformam-nos em uma perspectiva muito possível.
“Há milhares de vírus que estão esperando a oportunidade que a covid teve, de passar do animal para o homem. Essa densidade demográfica e o fato de que estamos caminhando para uma população [mundial] de 10 bilhões de pessoas, com consumo maior da proteína animal, fazem com que essa possibilidade exista”, disse Kalache em entrevista ao Valor Econômico.
Comenta, também, que enquanto vacinas seguras e eficazes não são distribuídas e chegam à população, em larga escala, medidas como o distanciamento social e, mesmo as mais estritas como o lockdown, devem ser consideradas e praticadas aos grupos populacionais de maior vulnerabilidade. Compara o enfrentamento da pandemia de países como Argentina, Paraguai, Chile e Uruguai, às ações vivenciadas no Brasil.
“[Nesses países] Estão falando com voz única, a mensagem está chegando às populações de forma uníssona, não há essa divisão, essa fragmentação [que se vê no Brasil]. As populações adotaram medidas de isolamento muito mais rígidas, de fechar fronteiras, se isolar, fazer lockdown”, pontuou.
Por outro lado, ponderou que para todas as nações o futuro é incerto considerando os desafios lançados pela pandemia do novo coronavírus. “O Chile estava numa situação que parecia mais confortável, então relaxaram, voltaram ao trabalho. E agora, certamente na região metropolitana de Santiago, onde está um terço da população, as medidas estão muito mais drásticas.”
O que torna o cenário ainda mais grave no Brasil, porém, é o fato de que, diferente do que aconteceu nos países europeus, cuja população idosa possui acesso a ações de prevenção de doenças. A população brasileira, aos 45 ou 50 anos, pode ter indicadores biológicos equivalentes a uma pessoa de 75 ou 80 anos na Itália.
Isso se deve às comorbidades, pois, no Brasil, o envelhecimento chega cedo devido a doenças como hipertensão, diabetes, obesidade, problemas respiratórios crônicos, etc. Com isso, comenta que o Brasil está “rejuvenescendo a COVID-19”, pois 30% das mortes de pessoas abaixo dos 60 anos, apontam para essa situação bem preocupante.
Kalache ainda pontuou o impacto, nas políticas de saúde, do congelamento dos gastos sociais durante duas décadas, o que fez com que a atenção primária passasse por cortes significativos. “E agora as autoridades, e o ministro que caiu [Luiz Henrique Mandetta] perceberam a importância do SUS para oferecermos uma resposta.”
Fonte: Valor Econômico